DESABAFO...Marcelo da Cunha Hungria - Presidente da Casa da Cultura de Aperibé
DESABAFO...
Venho lutando há muito pela preservação do nosso patrimônio. Sei que muitos outros aperibeenses também. Penso que a história de um povo, quando bem contada, muitas vezes escondida nos escombros do passado, é capaz de transformar realidades. Algumas pessoas também pensam e agem assim, no sentido de recuperar alicerces esquecidos, muros caídos, peças retorcidas pela ação do tempo... que insiste soberbo em apagar a memória, esta capacidade tão incrível que possibilita às pessoas o registro de acontecimentos importantes em suas vidas.
Nossa história começou na segunda metade do século XIX, quando gente simples iniciou o que hoje pode ser chamado de Município de Aperibé. Essa gente simples trouxe sonhos e com eles construiu espaços para diversas atividades de sua cultura, como capelas, coretos, casas, igrejas, ... Pouco desse patrimônio que nos leva a pensar nas dificuldades daqueles que nos precederam ainda encontra-se de pé. Desgastados pela ação do tempo e pelas mazelas do avanço da modernidade, muitos foram esquecidos e desapareceram. Alguns desses patrimônios de valor inestimável para o resgate e registro da nossa cultura e história foram abandonados de suas funções de forma violenta, como se não tivessem nenhuma importância em fazer valer o ser humano.
A derrubada de bens considerados patrimoniais é algo inadmissível aos dias de hoje. Todos os meios de comunicação divulgam o tempo todo essa importância, o próprio Estado por meio de inúmeras legislações dão pareceres favoráveis ao tombamento de estruturas que façam parte da identidade de um povo, insistem que sejam reaproveitadas em atividades que promovam a cultura local e não local, como bibliotecas, museus e casas de cultura... porque é desta forma que se faz valer o ser humano, o mais importante no processo.
Nenhum desses elementos de valor cultural, histórico e artístico que tenha sido demolido não foi, mais tarde, provocador de arrependimentos... Nenhum dos que foi preservado e mantém atividades culturais e de memória, existe sem que haja, por parte da população local, o maior orgulho.
A luta pela preservação da memória local requer um esforço que só se consolida quando a comunidade, num esforço conjunto, entende as inúmeras vantagens da ação.
Ninguém que eu saiba, arrependeu-se de ter contribuído para o acervo da Casa da Cultura e Museu de Aperibé. Ao iniciar os trabalhos, no início do ano de 2007, muitos foram contra, outros pagavam para ver uma instituição como esta, ir muito adiante, num “lugarzinho” como Aperibé, outros ainda mais frios, insistiam na idéia de que Museus e Casas da Cultura são instrumentos sem valor real, que somente servem para consumir dinheiro público. Da insistência que me é peculiar como marca, e da credibilidade de algumas famílias aperibeenses (mais especificamente, pessoas destas famílias), inauguramos, mesmo sob os olhares desconfiados de muitos, no dia 8 de setembro do mesmo ano, A Casa da Cultura e Museu de Aperibé, em processo de tombamento pela Câmara Municipal de Vereadores da nossa cidade. Hoje, após quase quatro anos de sua inauguração, é possível dizer que esta instituição não tem nenhuma importância? Então, por que cerca de 1000 pessoas a visitam todos os meses? Será que as exposições que passam por ela a cada 30 dias não contribuem em nada para os seus idealizadores e para os que as visitam?
Há alguns anos, o prédio que abriga a Casa da Cultura e Museu de Aperibé, antiga estação de trens da Estrada de Ferro Leopoldina, quase foi demolido por atitude violenta de alguns que escrevem a história sem consultar o passado. Se esta ação tivesse ocorrido, hoje estaríamos arrependidos, faltaria no meio da Praça Francisco Blanc seu maior monumento.
É preciso considerar que um município não pode crescer somente levando-se em consideração o aspecto econômico. É preciso qualidade de vida, bem-estar social. Não posso acreditar que isto ocorra numa população que não possua acesso à sua própria história para contar aos amigos que visitam sua cidade, ou parentes distantes, ou visitantes, ... Como nos enche de orgulho levar pessoas para conhecer onde tudo começou!!! Mostrar e explicar a importância destes elementos e o quanto somos civilizados em preservá-los, conhecendo sua história e reconhecendo neles, parte da nossa.
Infelizmente temo que esteja chegando ao fim esta realidade. Enquanto algumas cidades e localidades por todo nosso imenso Brasil, escora fachadas, protege antigos alicerces, promovem restauros de seus casarios e igrejas, em Aperibé, na minha cidade querida, perdemos a cada dia um pouco deste conjunto de preciosidades. Nestas localidades em que a palavra preservação está mais em voga do que nunca, a economia teve avanços substanciais. O turismo tem sido um elemento salvador, porque atrai pessoas inteligentes e interessadas no conhecimento, que é gerador de prosperidade. Municípios hoje que investem no turismo ecológico e histórico, não precisa de praias...
Entender tombamento como “tomamento” de um bem, ou ainda, tombamento como derrubada de um patrimônio que sempre fez parte da vida, da sensibilidade e que remete às memórias de um povo, não dá mais para entender!
Ao revirar a história, nos deparamos com situações em que as pessoas deveriam conhecer e que as ajudariam a esclarecer o grau de importância do patrimônio não como algo velho, caquético e sem valor, mas vivo, vencedor de tantas intempéries da ação do tempo e testemunha de diferentes épocas.
Ninguém é dono da verdade. Felizmente vivemos numa democracia em que podemos defender nossos pontos de vista. Defendo o direito da permanência entre nós de qualquer elemento que seja importante para que as futuras gerações não sejam excluídas do privilégio de conhecerem e dialogarem com esses elementos aglutinadores de valores, tradições, conhecimentos e memórias. Sinto muito quando não sou entendido, porque falo com o coração de um memorialista, defendo o restauro desses patrimônios com o olhar de quem conhece um pouquinho da história e que sabe o quanto ela pode contribuir para um mundo de paz, sem violência. Defendo que a cultura, a arte e a história, fundamentais para o bom êxito da educação, possa fazer mais por nossas crianças, porque ainda há tempo.
A cada perda de patrimônio, mais pobres ficamos. Infelizmente só o futuro irá mostrar esta realidade. Em cada tijolo que tiramos de um monumento impregnado de muitas histórias de vida, perdemos um pouco da nossa identidade. Nem todos pensam assim. Também não posso querer que todos olhem para questões como esta com o olhar de um historiador... Mediante os últimos acontecimentos, só me resta lamentar. A luta não pode parar. A história é humana, portanto, universal. Há muitos patrimônios em perigo que precisamos salvar, sem misturar valores como subterfúgios na defesa de nossas convicções mais íntimas.
Deus salve o Brasil!
Marcelo da Cunha Hungria
Presidente da Casa da Cultura de Aperibé
Diretor de Departamento de Cultura de Aperibé
Aperibé, 26 de agosto de 2011.

